quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Pequenos Contos

Pequenos Contos -


"Quem navega com mapas e bússolas não descobre mais nada. Só a alegria dos navegantes errantes é que descobre mundos novos. E os encanta."
Edson Marques.

Àquela hora, embora fosse ainda muito cedo, já havia preparado dois relatórios, lido e respondido vários e-mails e enviado mais alguns. Tinha a agenda aberta à sua frente, tentando descobrir um brechinha, onde pudesse encaixar um pouco de prazer. Estava exausto. Perdera alguns minutos, pensando nisso e já se aborrecera. Então desistiu. Saiu. Seguiu pelo mesmo caminho, tão conhecido, que nem o via mais. Ao chegar no escritório, recebeu os "bons dias" automáticos acompanhados de leves sorrisos, mais automáticos ainda. Mal entrara em sua sala e a copeira, sorridente apareceu com seu café e água. O interfone toca e a voz enfadonha da exímia secretária começa a passar diversos recados. Ele não ouve nenhum e quando ela termina, apenas diz: hoje não estou e você não sabe para onde fui e nem quando retornarei. Ela ainda insiste com alguns recados, ele repete e desliga...

Vai ao Aeroporto Nacional de Congonhas, sem passagem comprada com antecedência e apenas movido por um impulso.O celular insiste em tocar. Ele desliga. No banheiro, impetuosamente arranca o paletó e joga no lixo, em seguida se livra da gravata
e sorri olhando para as vestes amassadas, que antes tratava com tanto esmero.
Olha-se no espelho, como se nunca o tivesse visto antes...

No saguão, procura um bar e se acomoda em uma mesa, aclopada com outra, onde um casal conversava. Sempre tivera aversão a este tipo americano de mesas. Mas hoje não procura nada especial, segue um fluxo de nenhuma exigência. abre o notbook e vai direto para páginas de e-mails. A conversa de um casal ao lado impede sua concentração. Irritado fez menção de desligar, até que ouve:

- Cara, vc sabe, nunca vou a nenhuma balada sem êxtase, eu não consigo entar lá sem nada e curtir.

Era uma jovem, aparentando 25 anos, alta, bonita, com cara de "bem nascida", cabelos curtos. Ele , talvez com a mesma idade, um rosto bem desenhado, com traços
árabes e um com visual moderno.

- Êxtase!? isso já era. balada das boas mesmo, só rola LSD. êxtase, só em parada
pobre e aí não dá né.

- É verdade, outro dia fui numa festa e só tocava pagode e era o que tinha...hahahah

- Já fiz uma matéria sobre isso, na Alemanha. Lá , nem se compara com as baladas daqui. O pessoal é muito mais louco, muito mais liberal! Tem que ver. Aparentemente todo mundo é sério, mas vai nas baladas...

- É. foda.

Quase meio dia e ele ainda permanece à mesa, olhando os jovens que saem andando, lentos e despreocupados, gesticulando seus braços, na conversa que já não poderia mais ouvir. Olha para o Notbook, envia uma mensagem e o desliga. Hora de ir...mas pra onde?

Indeciso, volta para o estacionamento e sai com o carro. Parecia a primeira vez que a via a cidade. Olha tudo com muita atenção e procura placas que indiquem a Marginal Tietê e Via Dutra...

- A Alice que se foda! que se fodam todos. Cansei. Vida de robô, de filhodaputa,
de gente alienada. hahah, eu vou para "Pasárgada"!!!! hahahahaha

Após duas horas na estrada, procura uma cidade, onde compra umas roupas, um tênis, cigarros e um caderno para anotações. A idéia do caderno lhe surgiu nesse momento. Sempre tivera o hábito de anotar suas impressões, mas nunca lia nada do que escrevia. Almoça em uma lanchonete e segue a viagem.
Já está próximo do Rio de Janeiro, quando um vulto surge de repente na frente de seu carro o força a frear. Um jovem, de cabelos longos, mochila nas costas, se apresenta no vidro do carro.
- Aí chefia, desculpa aí, mas tô aqui desde cedo e, mano, ninguém pára não, resolvi tentar um suicídio, baseado na crença que tenho de que ninguém morre antes da hora. Tô indo pra Bahia e dependo de quem me leva, os trocos que tenho é só pra enganar a fome, que aliás tá pegando.
- Entra aí.
-Ops, valeu aí meu camarada! um conforto deste é até demais. Já caminhei um bocado e digo que faz bem; saí com a cabeça que era a bola toda do mundo e já tô até me sentindo feito esse ventinho que voa sem qualquer rumo. Tá indo pra onde?
- Pasárgada.
- Ah, é bem humorado! já vi gosta desse lance de nem sei pra onde vou pra ver se chego.

- É de São Paulo, cara?
-Sou sim.
- Sou de lá também, mas cansei da zoeira, tô querendo sossego, precisando me alinhar, encontrar umas paradas que faça a minha. Fiquei cheio de pai, mãe, namorada pegando no meu pé. Desde que nasci, nunca me deram sossego.
Fiz tudo o que eles queriam. Ai, entrei na porra de Direito, por que ele quís, meu pai, que é desembargador. Dois anos empurrados, eu queria fazer matemática e fui, prestei matemática na estadual de Campinas e entrei, mas na hora de ir, não fui.
Não tive coragem de deixar minha casa, meu irmão. Covarde heim?, é fui sim.
Fui fazer turismo e me tornei turista em dois meses. Detestei. Aí, meus pais piraram e me levaram num psiquiatra. Só serviu pra minha mãe ficar ainda mais doida, só porque o louco do "Pi", disse que eu viajava demais, que esta fora da realidade e que isto era um sintoma de esquizofrenia, que eu estava por um triz. E lá fui eu, duas vezes por semana, sentadinho no divã. Ah, me dei alta. Muito blá, blá, blá... Mas eu sabia, sempre soube, que me sufocaram demais, cuidaram demais....Um dia veio uma luz e resolvi fazer cinema e tô fazendo, quer dizer, tranquei a matrícula este ano, fui pro quarto ano. Mas este, cara, vou descansar e dar um descanso pra eles. Tá aqui o celular, sem bateria...mas fala aí, fiquei esses dias sem falar e nem tô dando pausa!


Ivonefs

Um comentário:

Anônimo disse...

Ivone,

Teus textos, intensos, penetram no coração da gente.

E falam por nós, quase sempre.


Abraços, flores, estrelas..