domingo, 31 de março de 2013

interessante é a inconveniência
é o desconcerto daquele que repudia os seus contrários
é a tentativa em obter a razão
interessante não é a bondade mas o que se apresenta como seu representante
interessante é a mocinha revoltada pagando de vítima
interessante é cobrar o que lhe seria impossível dar
interessante é o gueto acomodado em almofadas
interessante é o padre dizendo - vamos repartir o pão - enquanto recolhe o dízimo
é o poeta esbravejando no meio da rua e sendo levado a sério
é o cara que fala mal da mina que o aniquila e quando todos sentirem pena dele, ele fugirá com ela, a sua rainha
é o outro que tudo faz em troca de nada desde que lhe deem tudo que quiser
e ele lhe falando de amor e no dia seguinte aparecer encantado por outra
interessante é o que lhe convém. o resto é literatura.

(Ivone fs)


13/06/2012

na cozinha

gato diante do azulejo 
um olhar curioso
e o esboço de um beijo

26/06/2012
Nossos mundos paralelos
os garotos de minha geração eram sensíveis, gostavam de mpb e rock in roll. fumavam um baseado, tomavam chá de cogumelo, tomavam muita cerveja, vodca e uísque. falavam de cinema, compravam o último lp de música lançado. usavam jeans bem surrados tênis all star. riam muito liam muito e cantávamos ao som de violão no clube da cidade aos domingos à tarde. éramos jovens e comentávamos sobre todos os acontecimentos. política naufrágios música cinema livros HQs e tínhamos fixação pelos Estados Unidos, o bom e ruim de lá, na nossa opinião. Janis Joplin e Elis eram a nossas rainhas, Caetano e Chico nossos reis, entre tantos outros. os meninos de minha geração, de minha cidade, tinham com as meninas cumplicidade. nossas conversas e opiniões e ouvidos era o mesmo tom. nos reuníamos para ver "2001 uma Odisséia no espaço" e para ouvir o novo lançamento do Pink Floyd. eu percebo agora, bem de longe, que eles não eram machistas. e foi nessa ordem que aprendi a ter amigos homens e por muito tempo eu preferia meus amigos às amigas. as mulheres se competem muito, tem ciúme demais e quase nada de lealdade, era que eu concluía quase sempre. é claro que nem todos meus amigos daquela época eram assim. com esses eu me identificava mais. nunca usei drogas, a não ser experimentar e era unânime de que eu não precisava, pois era alegre demais e "viajava demais", como eles diziam. eles não contabilizavam as cervejas e as vodkas, me parece agora. os garotos de minha geração eram todos "intelectuais" e andavam de mãos dadas com suas namoradas. a nossa palavra preferida era: FESTA!!! na casa de quem hoje?! éramos jovens numa cidadezinha do interior. eu só queria uma coisa: morar na maior cidade da América latina e já faz bastante tempo que aqui estou. (Ivone fs)


14/07/2012
Dor febril

quisera o tempo que eu esperasse
eu esperei
tanto é frio se há febre
ainda lembro de um aquário e aqueles peixes se batendo no vidro
a sala estranha
a espera de um aconchego
os anjos no teto, quietos
as bolhas de oxigênio na água
a espuma lembrando o limbo
uma vontade de libertar os peixes
deitada no sofá de uma casa alheia
uma moleza involuntária
os peixes se batendo no vidro
a prisão vista de dentro
o mundo é triste quando se está triste.

(Ivone fs)


15/07/2012
não herdei os olhos azuis do meu avô paterno.
nem as mãos habilidosas nas cordas de viola de meu avô materno
herdei de minha avó materna a religiosidade dela, a devoção às Nossas Senhoras e o gosto de conversar com os homens
não herdei de minha avó paterna a sua altura e discrição e nem seu jeito afobado quando ia explicar alguma coisa.
meu avô materno tinha tempo para rir. um jeito meio criança e desencanado. sempre tinha dinheiro na carteira e todo dia ele contava as notas. ele não gostava de gastar seu dinheiro.
minha avó materna sabia de tudo. de tudo mesmo que acontecia no mundo. ela pedia para eu coçar suas costas, às vezes, à tarde, depois que eu voltava do colégio. eu detestava isso, mas coçava.
meu primo eu, nas férias, no café da manhã, fazíamos muito barulho quando sorvíamos o café: só pra ver ela brava e explicando que aquilo era muito feio. ficávamos sérios e quando ela se afastava morríamos de rir disso.
meu avô paterno tinha alzheimer, quando morou em minha casa,
minha avó paterna tinha saudades da sua casa e da outra cidade e estava sempre calada. ela tinha uma cruz tatuada no braço e eu sempre perguntava o que queria dizer. eu acho que ela não sabia. ela dizia que não era nada. um dia eles foram embora.
meu avô materno tinha o sorriso mais verdadeiro do mundo. ele também morou em minha casa nos últimos anos de sua vida.

(Ivone fs)


26/07/2012
os anjos na noite sobrevoando as ruas do centro de São Paulo, alastrando seu cheiro, liberado pelas narinas esbranquiçadas, pingando o anseio palpitante desequilibrado, a um só tempo o involuntário, a direção definida, decidida, transcendendo aos olhares, com suas asas avançam no desconcerto dos faróis amarelos: vacilantes, como são as luzes noturnas, embriagados de palavras, revelando o frenesi das ansiedades criadoras, no movimento utópico das mãos estendidas, ensurdecidos a cada particularidade. a noite abre suas portas. (Ivone fs)

24/09/2012